sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A humanidade está na adolescência


Não há dúvida de que há uma tensão entre a fé cristã e o mundo moderno, semelhante à que existe entre os pais e seus filhos adolescentes. Os pais amam profundamente seus filhos, mas nem sempre estão de acordo com suas escolhas. Assim também a Igreja, ao guardar, anunciar e celebrar a fé em Cristo Senhor, ama profundamente o mundo, criação do Deus que viu que tudo era bom. Mas nem sempre ela concorda com as opções e caminhos da modernidade.
Séculos atrás, o Ocidente vivia na unidade própria da Cristandade. E a sociedade civil apoiava-se fortemente na Igreja e na vontade de Deus para suas decisões. Como a criança que se sabe totalmente dependente dos pais, e não tem qualquer problema com isso. Tudo o que quer, pede aos pais. E mesmo quando não recebe o que pediu, nutre fortes sentimentos de gratidão por seu pai e sua mãe, de quem depende e a quem deve tudo o que tem.
Quando a criança entra na adolescência, não quer mais as coisas de criança. E no seu pensamento ainda simplório imagina que deve romper ao máximo a relação com os pais, chegando a ter vergonha deles. Quer ser independente, e a dependência é própria de crianças, imaginam. Assim é o mundo moderno, que não quer saber do pai nem da mãe, de Deus nem da Igreja.
De fato, a humanidade está na adolescência. Mas não há nada de mal nisso. O adolescente ainda tem toda uma vida pela frente, repleta de possibilidades. Assim também a humanidade.
À medida que o homem amadurece, com o passar dos anos, olha para trás e reavalia sua relação com os pais. Recorda os primeiros anos e todo o amor e dedicação deles, e reconhece que tratou-os com considerável ingratidão nos anos de adolescência. E reconhece ainda que, mesmo exposto a esta dura prova, o amor dos pais prevaleceu.
Esta reavaliação é a passagem que marca a entrada do jovem na vida adulta, e a partir de então, não é que volte à dependência dos pais, longe disso. Mas não tem, tampouco, a estéril pretensão de ser independente dos pais. Percebe que, nas suas relações, age em sadia interdependência com os demais homens, e especialmente em relação ao pais. Traz no coração a gratidão justa aos pais por tudo o que é e tem, sabe-se adulto e espera ser, para seus filhos, como seus pais.
Assim, também a humanidade, para quem abrem-se imensas e sempre novas perspectivas. O homem pós-moderno, que na verdade já pôs em xeque muito do racionalismo do homem moderno, com o tempo amadurecerá, e saberá pagar tributo a Deus e à Igreja por sua ingente contribuição, de fato indispensável, para o progresso e o conhecimento, a dignidade e a liberdade que marcam a humanidade em nossos dias. E saberá transmitir essa gratidão a seus filhos, e assim de geração em geração.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O joio, o trigo e a santidade da Igreja

Catecismo da Igreja Católica, nº 827: «Enquanto que Cristo, santo e inocente, sem mancha, não conheceu o pecado, mas veio somente expiar os pecados do povo, a Igreja, que no seu próprio seio encerra pecadores, é simultaneamente santa e chamada a purificar-se, prosseguindo constantemente no seu esforço de penitência e renovação». Todos os membros da Igreja, inclusive os seus ministros, devem reconhecer-se pecadores. Em todos eles, o joio do pecado encontra-se ainda misturado com a boa semente do Evangelho até ao fim dos tempos. A Igreja reúne, pois, em si, pecadores alcançados pela salvação de Cristo, mas ainda a caminho da santificação.
A Igreja «é santa, não obstante compreender no seu seio pecadores, porque ela não possui em si outra vida senão a da graça: é vivendo da sua vida que os seus membros se santificam; e é subtraindo-se à sua vida que eles caem em pecado e nas desordens que impedem a irradiação da sua santidade. É por isso que ela sofre e faz penitência por estas faltas, tendo o poder de curar delas os seus filhos, pelo Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo».

A Igreja tem pecadores no seu seio, e a parábola do joio mostra que Jesus já previra essa situação. No Antigo Testamento, o povo de Israel era santo porque era separado para Deus. Não se misturavam com os povos de cultos pagãos, não cultuavam outros deuses. Eram puros para o Senhor. Mas no Novo Testamento, a santidade não é estar separado para Deus, e sim unido a Deus. E esta é a vocação universal da Igreja, a santidade, para todos e cada um de seus membros.

Transcrevo abaixo algumas reflexões minhas surgidas nas aulas de Eclesiologia, ministradas pelo Pe. Dudu, no curso de Teologia, no Seminário São José:

“Não se pode chegar ao extremo de pensar a Igreja como santa em todos os seus membros. Mas também não se pode ver só pecado, considerar todos somente pecadores. E não se pode separar aquela Igreja fundada por Cristo da Igreja atual. Nem cada indivíduo de sua comunidade. Também é errada a seguinte concepção: santa é a alma da Igreja (o Espírito Santo) e pecadora é o corpo, os fiéis. Não se pode separar assim corpo e alma, nem o Espírito Santo dos membros da Igreja, pois é nestes que o Espírito age.
Se se resgata a Igreja como povo de Deus, necessariamente recupera-se, como consequência, a dimensão pecadora da Igreja enquanto este povo. A questão é difícil. A santidade da Igreja não é somente etérea, ou seja, abstrata. É santidade concreta, na vida de tantos fiéis. Por outro lado, então, o pecado da Igreja não seria só dos membros, mas dela mesma? De fato, não se pode separar Igreja-conceito e Igreja-membros. Como entender esse paradoxo? Ou seja, como poderia ser a Igreja pecadora em si mesma, e não apenas nos seus membros?
Talvez seja como Cristo, que sendo perfeitamente santo e imaculado, assume todo o pecado do mundo e se faz maldito (cf. Cl 3, 13), e mesmo sem aspecto humano, parecendo um verme desprezível, como profetiza Isaías (cf. Is 53), continua sendo tão belo, o mais belo entre os filhos dos homens (cf. Sl 44 [45]), perfeito Deus e perfeito homem. Assim também a Igreja, chamando a si todos os pecadores, aparece cheia de rugas, imperfeições e pecados, mas nem por isso deixa de ser bela. Bem ao contrário, por isso mesmo torna-se ainda mais bela, porque por amor a cada pecador expõe-se totalmente.
É santa e pecadora. Mas, como diz São Paulo, “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20). O fiel que peca não deixa de fazer parte da Igreja, pode estar seguro quanto a isso. Mas é membro enfermo. De qualquer modo, o novo povo de Israel – a Igreja – não faz como o antigo Israel, que extirpava do seu meio todo o mal. A Igreja não; ela perdoa, acolhe; torna-se portanto menos pura e “santa” enquanto separada; mas também se torna mais caridosa e materna.
Por fim, Cristo amou esta Igreja concreta, esta mesma que vemos hoje, mesmo ciente de todos os seus pecados e infidelidades. Não se entregou por uma Igreja ideal, abstrata, mas por essa Igreja real, fraca e limitada que temos. É esta a sua esposa, que nasce do seu lado aberto na cruz, e da qual o divino esposo não se divorcia, mesmo diante de suas traições.”
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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Eucaristia: o mistério da fé, o centro de tudo

A solenidade de Corpus Christi – o Corpo de Cristo – celebra a Eucaristia, o maior capricho de Jesus para os seus discípulos. Toda a vida de Jesus parece apontar para este Santíssimo Sacramento tanto quanto aponta para a cruz. E de fato, são mistérios inseparáveis. O sacrifício da Quinta-Feira Santa, na Santa Ceia, é o mesmo da Sexta-Feira Santa, no Calvário. Por amor, nosso Senhor se entrega a nós por inteiro, até o fim.
Assim como Jesus caminhava decidido para a cruz, planejava já desde o início deixar como herança aos seus discípulos a Eucaristia, o dom do seu Corpo e Sangue. Por isso, toda a sua vida parece ser uma preparação para aquela doação definitiva na véspera de sua Paixão. E Jesus passa sua vida pública dando sinais disso, como quem escreve seu testamento. Nos seus milagres, faz uso dos elementos que utilizaria para a Eucaristia: multiplica pães, transforma água em vinho; e também quanto a Si mesmo, quando, por exemplo, anda sobre as águas. Assim Jesus mostra que tem domínio sobre todas essas criaturas e sobre Si mesmo, e que portanto tem poder de dispor delas para realizar o milagre eucarístico. Já os Padres da Igreja faziam notar: Deus criou todas as coisas a partir do nada apenas com sua palavra; pois bem, é esta mesma Palavra que diz com a eficácia que lhe é própria: “Isto é o meu corpo; isto é o meu sangue”.
Querendo permanecer com os discípulos, mas tendo de voltar para o Pai, Jesus encontra essa forma de ir embora e ficar conosco ao mesmo tempo. Querendo deixar uma herança para nós, seus irmãos, mas sendo pobre e não tendo nada para nos dar, deixa-se a Si mesmo. Mas com isso dá-nos toda riqueza que poderíamos desejar, pois quem tem a Deus tem tudo, nada lhe falta. Jesus se dá a nós como nosso alimento, como remédio para nossas fraquezas, para estarmos em plena comunhão com Ele. Na Eucaristia, como na cruz, Jesus em seu amor extremo se sacrifica por nós, morre para que tenhamos vida.
E por que terá escolhido pão e vinho? Há inúmeras razões, certamente. Mas uma delas é que tais alimentos supõem o trabalho. Não se colhe pão de uma árvore, não se recolhe vinho de um córrego. Desde o plantio e colheita da uva e do trigo, passando por todas as outras etapas até a elaboração final, o trabalho do homem está escondido no pão e no vinho. Parece que Jesus quer nos mostrar o valor do nosso esforço cotidiano; quer nos dizer que estará conosco todos os dias, mas espera que façamos a nossa parte. A comunhão traz em si o comprometimento com Deus e Sua obra, e exige a oferta amorosa de tudo o que fazemos. Como costumamos repetir, Ele poderia ter feito tudo sozinho, mas preferiu contar com nossa ajuda. Não importa se é pouco o que temos a oferecer-Lhe. A generosidade de um menino com cinco pães permitiu a Jesus alimentar uma multidão. Daí também o sentido da partilha do pão. Devemos oferecer à Igreja, à comunidade os dons que temos; a comunhão traduz-se nessa troca.
Além disso o pão possui uma peculiaridade: já no dia seguinte à sua fabricação, está velho. Também nós devemos contar com a graça de Deus dia após dia. Nossa obra passada já está velha; tudo o que já fizemos de bom ontem deve ser renovado hoje. É preciso trabalhar para Deus todos os dias, contando com Sua graça. Como pedimos no Pai-Nosso, dá-nos hoje o pão de cada dia. Por outro lado, com o vinho talvez ocorra justamente o contrário: o velho é melhor, como reconhece Jesus (cf. Lc 5, 39). A tradição tem seu valor, o que passou está velho, mas não ultrapassado, não perdeu sua importância. Assim, a Eucaristia mostra que o bom discípulo “é semelhante ao pai de família que tira coisas novas e velhas do seu tesouro” (Mt 13, 52).
Muitos outros sinais estão no pão e no vinho: a simplicidade e o fácil acesso ao pão, sinais da presença de Deus conosco; a festa e a alegria do vinho, sinais da nossa verdadeira alegria em Deus, e tantos outros ainda. Mas um aspecto que não podemos esquecer é a valorização de toda a criação, também do que é corpóreo, material. A Igreja não se ocupa apenas do espiritual; nosso Senhor, ao nos dar seu Corpo e Sangue como alimento, enaltece toda a criação, o aspecto material das coisas. Tudo foi criado por Deus, que viu que tudo era bom. Foi o seu Sangue derramado que redimiu toda carne, e é este Sangue que nos é dado como alimento.
Enfim, o Deus soberano, o Criador do universo e Juiz universal se entrega em nossas mãos. Isto deveria causar sempre um profundo espanto em nós... Peçamos a Deus a graça de aproximar-nos deste Santíssimo Sacramento com toda a piedade e devoção, lembrando as palavras de Santo Agostinho, ainda no século V: “Ninguém coma deste Pão sem antes adorá-lo”. Senhor, “dá-nos sempre deste Pão” (Jo 6, 34), e dá-nos um coração adorador, cheio de alegria e ação de graças por tão grande dom.
Meditemos as palavras de São Pedro Julião Eymard, um santo de grande devoção à Eucaristia: “Haverá algo de mais simples do que comparar o nascimento de Jesus no presépio com seu nascimento sacramental no altar e nos corações? Quem não vê a Vida escondida de Nazaré se continuar na Hóstia Santa do Tabernáculo e a Paixão do Homem-Deus sobre o Calvário se renovar no Santo Sacrifício a todo momento e em todos os lugares do mundo? Não está Nosso Senhor tão manso e humilde no sacramento como em sua Vida mortal? Não é sempre o mesmo Bom Pastor, o Consolador divino, o Amigo dos corações? Feliz da alma que sabe encontrar a Jesus na Eucaristia, e na Eucaristia todas as coisas!”
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segunda-feira, 2 de maio de 2011

Com o papa, firmes na fé: Rumo a Madrid!

No dia 16 de abril, sábado, véspera do Domingo de Ramos, tivemos na Paróquia São Judas Tadeu, em Icaraí, um encontro de preparação para a Jornada Mundial de Jovens, a ser realizado em agosto em Madri, na Espanha. Muitos jovens da nossa Arquidiocese de Niterói estarão presentes, por vários grupos, representando diversas paróquias e espiritualidades.
A ideia deste encontro era justamente apresentar esses grupos uns aos outros, para que os jovens da Arquidiocese já se conheçam antes de viajarem para a Jornada Mundial. Foi portanto uma oportunidade única para trocar expectativas, partilhar experiências e motivar-nos mutuamente.
O evento começou às 9h30min, e contou com a presença de jovens de todos os Vicariatos. Ao todo, foram 83 inscritos. Intercalamos momentos de espiritualidade, como a adoração ao Santíssimo, com outros de lazer, como um quiz com perguntas sobre as JMJ’s. Tratamos dos assuntos práticos sobre a viagem e da nossa preparação espiritual para aproveitar bem a peregrinação. Tivemos momentos de partilha sobre as maneiras pelas quais os jovens têm conseguido arrecadar fundos, com a ajuda dos párocos e das comunidades, e também sobre como podemos irradiar nossas experiências depois que voltarmos, por exemplo no DNJ, ou mesmo nas nossas paróquias.
O encontro foi encerrado no fim da tarde com a santa missa presidida pelo nosso arcebispo, Dom Alano, que ressaltou o sentido da Jornada Mundial de Jovens: vamos ao encontro do sucessor de Pedro, hoje Bento XVI, para que ele nos confirme na fé em Cristo, nosso Senhor. Antes da missa, aproveitamos a presença de Dom Alano para fazer a nossa foto oficial, que dá uma boa mostra de como a Arquidiocese de Niterói estará bem representada em Madri.



quarta-feira, 27 de abril de 2011

Frente a frente, Jesus e Pilatos: quem está livre e quem está preso?

Façamos nossa páscoa, isto é, nossa passagem, como Cristo, que passou deste mundo para o Pai (Jo 13,1). Nós o fazemos quando passamos da nossa vontade para a vontade de Deus; então sim, quando morremos para nós, para os nossos interesses, então ressuscitamos com Cristo para uma vida nova, uma vida de reinado pelo serviço por amor, na vontade de Deus.E assim podemos de fato chamar a Deus de Pai e rezar: “seja feita a vossa vontade”.
Jesus é totalmente livre e nos ensina a liberdade verdadeira. Frente a frente, nós vemos Jesus atado e Pilatos no trono. Jesus está amarrado e ameaçado de morte no banco dos réus. Pilatos é o governador da província da Judeia, está sentado no trono com a autoridade de César e tem um exército de respeito sob seu comando. E no entanto, ao vê-los frente a frente, perguntemo-nos: quem está livre e quem está preso?
Pilatos não tinha nenhum poder, pois tinha medo. Disse a Jesus que tinha autoridade para prendê-lo ou soltá-lo; pois bem, então por quenão o soltou? Afinal, a própria Escritura reconhece que Pilatos sabia que Jesus era inocente e tentava libertá-lo. Não o fez por medo da multidão que pedia sua crucificação. Não quis se comprometer, lavou suas mãos covardemente.
Jesus, ao contrário, é o homem perfeitamente livre. Mesmo que o ameaçassem de morte, Ele estava em paz, pois sabia que cumpria a vontade do Pai. Tudo em sua vida era ação de graças ao Pai, amor, perdão. Não ameaçou, não devolveu as injúrias. Mesmo hostilizado e diante da fúria dos inimigos manteve a serenidade, pois sabia que o Pai estava com Ele.
Durante a nossa caminhada na terra, acompanhemos Jesus, como as mulheres, especialmente Santa Maria, ou como João apóstolo, ou como Simão Cireneu.Aliás, parece-me providencial o nome do Cireneu – Simão –, pois era Simão Pedro quem deveria ajudar Jesus com a cruz. E hoje também, somos nós, a Igreja. Não façamos caso da indiferença da maioria, não tenhamos medo nem do escárnio de alguns. Acompanhemos Jesus e o aclamemos como nosso Senhor também onde Ele é hostilizado. Caso contrário, seremos discípulos medrosos, ou pior, seremos como Pilatos, que reconhecia a inocência e a bondade de Jesus, mas não quis se comprometer. Fé cristã é compromisso.
Se não nos envergonhamos de Jesus neste nosso mundo nem sempre cristão, também Cristo não se envergonhará de nós diante do Pai. Mas se nos envergonhamos d’Ele aqui, também Ele se envergonhará de nós junto do Pai. Que essa desgraça não nos aconteça.
Vemos assim como a Via Crucis é uma alegoria da presença de Jesus do mundo em que vivemos. Enquanto Jesus passava com a cruz, muitos escarneciam, a maioria era-lhe indiferente, cuidava de si. Outros aproximavam-se curiosos, mas não passavam disso. Mas alguns o acompanharam. Hoje a mesma coisa acontece. Alguns escarnecem da fé cristã, a maioria é indiferente, vai cuidar da própria vida. Alguns até se aproximam curiosos, mas não se comprometem. Quanto a nós, somos chamados a acompanhar Jesus em seu caminho pelo mundo, mesmo hostilizados, ajudando-O a carregar a sua cruz.
Todos os cristãos carregamos a mesma cruz: a de Cristo. Cada um tem a sua, umas mais pesadas que outras. Mas se realmente somos irmãos, carregamos os fardos uns dos outros, e assim cumprimos a lei de Cristo. No fundo, todas as nossas cruzes são uma só: a cruz de Cristo. No fim das contas, não sabemos se nós o ajudamos, ou se é Ele quem nos ajuda. De qualquer modo, cabe-nos a disponibilidade de ajudá-lo; isso é ser cristão: acompanhá-Lo.
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segunda-feira, 28 de março de 2011

Cristo e o testemunho dos profetas

Lendo o Evangelho, não é difícil perceber como Jesus é apresentado – e apresenta a si mesmo – como aquele de quem falam os profetas. Mais que um grande profeta, Jesus é o alvo das profecias. Sendo a Palavra que se faz carne, é nele que todas as profecias se cumprem. Todos os profetas o apontam, e não apenas com suas palavras, mas também com sua vida (e João Batista também com o dedo).
Assim se vê a lógica de todos os profetas terem sido mortos em Jerusalém, perseguidos, tratados com desprezo e zombaria. Assim se entende a palavra dada a Isaías, e que introduz, nos Evangelhos sinóticos, as parábolas de Jesus. Estas servem para que os homens não o compreendam e não se convertam (Mt 13, 1-23 e paralelos). Só cumprindo o destino da morte de cruz será desvelada a verdade. O grão de trigo precisa morrer para dar fruto (Jo 12, 24).
Tomando um exemplo bem claro, vemos Is 53, citado inclusive nos Atos. O texto narra o destino do Servo sofredor. Hoje lemos o texto à luz do Evangelho e não é nada difícil ver que o profeta prenuncia Jesus. Chegamos a esquecer que tal texto foi produzido muitos séculos antes de Jesus. E é curioso perceber como nunca os judeus poderiam conceber que este personagem seja rigorosamente o mesmo que o Messias esperado, o rei e sacerdote a quem é concedido todo poder e honra. E de fato, à pergunta do eunuco (At 8, 26-40), as duas respostas são possíveis, e talvez sejam complementares para o anúncio autêntico do Evangelho. Todas as profecias falam sobre Jesus (Lc 24, 25-27).
Assim Jesus amarra em si todo o Antigo Testamento. Ele é o “mais belo dentre os filhos dos homens” (Sl 44), mas é também aquele “que não tinha graça que pudesse atrair nosso olhar, desprezado como um verme, sem figura humana, como alguém de quem escondemos o rosto” (Is 53).

quarta-feira, 9 de março de 2011

Sentido da Quaresma (tópicos para 1º Domingo)

1º Domingo da Quaresma
      
Para compreender quem é e o que fez Cristo, é preciso compreender onde estava o homem sem Ele. Estava na situação de Adão. E Cristo nos liberta do pecado original e portanto da morte.
Costumo falar muito em Adão; é alegoria ou é texto literal? Nem lá nem cá. Vejamos o que diz o Catecismo: n. 390, após falar do homem, ao falar da queda:
“O relato sobre a queda (Gn 3) utiliza uma linguagem feita de imagens, mas afirma um acontecimento primordial, um fato que ocorreu no início da história do homem. A Revelação dá-nos a certeza de fé de que toda a história humana está marcada pelo pecado original cometido livremente pelos nossos primeiros pais.”
Nem lá, nem cá. Aquilo de que a Igreja não pode abrir mão é da doutrina do pecado original, fato histórico ocorrido nos primórdios. Nem chega a afirmar o monogenismo, mas vê dificuldades em conciliar o poligenismo com essa doutrina.
O mais importante nisso tudo: a doutrina do pecado original é revelada por Cristo, e só por ele. O texto fundamental (não o único, mas o principal) do pecado original não é Gn 3, mas sim Rm 5. É ali que Paulo insiste repetidamente: pecado de Adão, graça de Cristo muito maior.
Eis o Deus que se faz homem. Tendo expulsado o homem do paraíso, como quem referenda sua decisão de esconder-se, sai de si e desce ao deserto ao encontro desse mesmo homem; não o abandona.
Espírito o impele ao deserto para ser tentado. Notável. Isso para vencer a tentação, dar-nos o exemplo, mostrar a que veio e a que não veio. E o diabo se expõe, destila seu veneno, mostra suas fraquezas, sua revolta, seu ressentimento, suas carências, bem como sua malícia e sutileza.
Jesus não veio para beneficiar a si mesmo (bem ao contrário!), nem para convencer por obras admiráveis e espantosas, nem para conquistar o mundo a qualquer custo; Deus em primeiro lugar.
Caminhemos com ele no deserto, e não sozinhos, pois seremos vítimas de satanás. Não precisamos temê-lo. Quem teme a Deus não precisa ter medo de satanás, nem de nada. Caminhemos com Cristo, e não precisamos ter medo do deserto. Ele nos conduz de novo ao Éden, ao paraíso na amizade com Deus.
Eis nossa vida na terra, e assim o período da quaresma nos aparece como uma imagem litúrgica da nossa caminhada na terra. A Quaresma é caminhada para a Páscoa, e nossa vida é caminhada para a vida eterna. Não há Páscoa sem paixão e morte de cruz, como para nós não há ressurreição e vida eterna sem morte para este mundo. A morte é apenas passagem, por isso não tememos nem nos desesperamos. Aliás, Páscoa significa precisamente isto: passagem, da morte para a vida.
Na quaresma somos chamados a sacrifícios e privações, assim como na vida. Mas mesmo aí mantemos a alegria. É tempo de empenho e reflexão, mas não de desânimo ou abatimento. É renovação do batismo, no qual morremos e ressuscitamos com Cristo. Vemos a quaresma não como um fardo pesado, mas como um dom precioso, uma graça e oportunidade para aprofundar nossa comunhão com Deus, escutar o que nos diz pela sua Palavra, desapegar-nos das coisas supérfluas e passageiras desta terra.
Façamos nossos propósitos de esmola, jejum e principalmente oração. E dentre as propostas de oração, a minha sugestão: contato diário com a Palavra de Deus, pelo menos 5 minutos por dia – todo dia. Mas qual texto? O melhor é que seja o da liturgia do dia (ao menos o Evangelho). Quem medita 1ª leitura, salmo e evangelho, 20 minutos por dia na quaresma já está bem, com um ótimo propósito.
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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Celibato só por amor a Deus

É possível encontrar padres que, para defender o celibato eclesiástico, argumentam que até por motivos menores outras pessoas renunciam ao casamento. Por exemplo, para dedicar-se a uma carreira, seja militar, diplomática, ou qualquer outra. O raciocínio é simples: se para estas coisas é compreensível que um homem ou mulher abdiquem do casamento, de ter um esposo ou esposa e filhos, com muito maior razão alguém poderia renunciar ao casamento e aos filhos por amor ao Reino dos Céus, como é o caso dos sacerdotes, religiosos e religiosas.
Mas este argumento não é adequado; talvez não seja sequer válido. E certamente não pode ser invocado para defender o celibato eclesiástico. Este não precisa de outros argumentos racionais. Sua única razão e fundamento é, como disse o Senhor, “o amor ao Reino dos Céus”, e isto é mais do que suficiente. Eu, como Paulo, não me envergonho do Evangelho (cf. Rm 1). Para outros ele pode ser loucura ou escândalo. Não tentarei argumentar racionalmente com estes para demonstrar-lhes que não, que o Evangelho é razoável. De fato o é, mas que continuem pensando que é loucura e escândalo. Eu não me envergonho, repito, do Evangelho e não faço nenhuma questão de torná-lo mais palatável aos que o consideram loucura ou escândalo. O Evangelho nos interpela; que cada um trate de fazer o seu juízo e suas opções, e que ninguém tenha a pretensão de carregá-lo no bolso.
Invocar o exemplo de pessoas que tenham renunciado ao casamento por outras carreiras é impróprio, pode soar até ridículo. E sobretudo, não é cristão, não tem qualquer base na fé cristã. O amor incondicional só é devido a uma outra pessoa, nunca a uma instituição, por maior que seja, nem a uma nação, nem mesmo a um ideal, por mais nobre que seja.
Ou seja, existe apenas um motivo razoável para uma pessoa sadia renunciar ao casamento deliberadamente: por amor a Deus, “por amor ao Reino dos Céus”, como disse Jesus. Qualquer outro motivo é fora de propósito. Em outras palavras, quem renuncia ao casamento preferindo uma carreira qualquer escolhe mal, não sabe o que prefere. São palavras duras, mas é a verdade.
Quem renuncia ao matrimônio por amor ao Reino dos Céus escolhe a Deus, em primeiro lugar, e põe todo o resto em segundo plano. Não abandona o mundo, mas anuncia profeticamente a relatividade de todas as criaturas diante do Criador de todas elas. Escolhe uma pessoa, ou melhor, o próprio Deus, Uno e Trino, como grande amor de sua vida.
Pois bem, e quem casa? Quem casa diz não a Deus? Ao contrário, quem casa escolhe a Deus, assume um sacramento, um caminho de santidade ao lado de um companheiro ou companheira, vincula-se de maneira definitiva a uma outra pessoa, a quem servirá com amor, fidelidade e respeito para levá-la ao céu, junto com seus filhos. O matrimônio é sacramento de serviço, como o sacramento da ordem; é também uma bênção imensurável de Deus.
E aquele que não casa nem se consagra a Deus? Este escolheu o que? Ama de todo coração a quem? À filosofia, como Kant? A uma nação, a uma instituição qualquer? Quem faz este tipo de opção escolhe muito mal, e não pode servir de exemplo para ninguém, muito menos de argumento para a defesa do celibato eclesiástico. Por mais nobre que um ideal seja, não é digno do amor incondicional de uma pessoa. Só outra pessoa é digna deste amor.
Havia entre os antigos rabinos uma sentença que hoje provocaria escândalo e repulsa nas mais diversas frentes: “Um homem que não tenha sua mulher sequer pode ser chamado de homem”. Mesmo dentro da Igreja esta sentença seria rejeitada por muitos com vigor, para ressalvar o celibato eclesiástico de bispos, padres, religiosos e religiosas. Mas não é preciso. Esta frase, ouso dizer, não se contrapõe ao catolicismo, nem ao celibato. Basta compreendê-la no seu contexto de preparação evangélica. A sentença está no âmbito natural; mas então vem o sobrenatural, e dá-lhe nova dimensão. O sobrenatural, porém, não é contra a natureza. Ou seja, a sentença segue válida e verdadeira, desde que se lhe faça o acréscimo do Evangelho. Em outras palavras, bastaria dizer: “Um homem que não tenha sua mulher sequer pode ser chamado de homem, a não ser que tenha renunciado ao amor de uma mulher para consagrar-se ao Reino dos Céus, ou seja, por amor a Deus”.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Por que ir à Jornada Mundial dos Jovens?

Que vamos fazer lá em Madrid, em agosto? Encontrar-nos com o Papa, mas não só isso. Trata-se de um encontro de jovens católicos de todo o mundo, no qual o Papa também estará presente, como um convidado eminente. É reunião em que jovens se encontram para celebrar a fé comum, partilhar suas diferentes experiências, suas riquezas culturais variadas, exortarem-se uns aos outros à fidelidade a Deus. E o Santo Padre não poderia deixar de comparecer a uma ocasião como esta, para confirmar suas ovelhas na fé, o que é o papel principal do sucessor de Pedro.
Não se trata de “tietagem”, nem “culto à personalidade”, idolatria de um ídolo pop ou coisa do gênero. Vamos até lá para que o papa nos conduza a Cristo, Nosso Deus e Senhor. Ele há de nos confirmar na fé. Cf Lc 22, 31-34; Jo 21, 15-17; Lc 24, 13-35; Cl 1, 21-23.
Quando um grupo jovem de uma paróquia caminha sozinho, a tentação do desânimo é mais forte. Quando vemos que na nossa diocese há, nas paróquias vizinhas, outros tantos jovens com seus grupos, vivendo a mesma alegria da fé em Cristo, mas também passando pelas mesmas dificuldades, nosso ânimo é renovado. Com maior razão, participar de um evento de proporções mundiais, testemunhando a fé comum de tantos jovens diferentes, das regiões mais distantes do planeta, é um grande incentivo ao entusiasmo da nossa fé em Nosso Senhor. Experimentamos de maneira extraordinária a catolicidade da nossa Igreja, e dessa incrível diversidade colhemos a sua unidade.
Esse é o sentido de participar de uma Jornada Mundial de Jovens, com a presença do Santo Padre. E isso não tem preço, se há de nos ajudar a ser católicos mais fervorosos.