sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Acorramos ao presépio

Contemplando o presépio vemos a grandeza de Deus e o quanto Ele foi capaz de se rebaixar por amor a nós, seus filhos. Ali, de fato, seu poder se manifesta na fraqueza (cf. 2 Cor 12, 9).
Deus todo-poderoso se faz homem e não escolhe uma nação forte e poderosa, mas Israel, talvez a menos e mais desprezível das províncias romanas da época. Não faz questão dos palácios, mas vem a uma manjedoura. Apesar de estar privado de quase tudo, não se incomodou de ali nascer, porque encontrou o essencial: os corações amorosos de uma mãe e de um pai, Maria e José.
Toda a criação vem prestar sua homenagem ao menino Jesus: os pastores, que manifestam a presença dos pobres e excluídos; e os magos, símbolo dos nobres e poderosos, e também dos povos mais distantes. Até os animais vêm reverenciar seu Criador, aquele menino. E mesmo os astros! Diz um autor espiritual dos primeiros séculos que o nascimento de Cristo aboliu a astrologia. Tudo o que os astros, criaturas de Deus, poderiam indicar aos homens, já foi indicado por aquela estrela que guiou os magos até o menino Jesus. Como se as estrelas estivessem a dizer: se quiserem olhar para nós em busca de respostas, vejam como nos inclinamos diante deste presépio, aprendam a reverenciar o Criador de todas as coisas, e saibam onde encontrar a Verdade que procuram. Foi o que a multidão dos anjos proclamou nesta ocasião, indo também eles ao encontro do seu Senhor, ainda uma criança.
O presépio também prenuncia toda a vida de Jesus. Sua pobreza e abandono pelos homens (“não havia lugar para eles na hospedaria”, Lc 2, 7) é um sinal do abandono total da cruz. Seu nascimento numa manjedoura, lugar onde se dispõem os alimentos para os animais, é como um símbolo de que Ele é o nosso alimento, o Pão da Vida. E ainda mais nascido na cidade de nome Belém, que significa, em hebraico, “casa do pão”. A perseguição de Herodes, que leva a Sagrada Família a fugir para o Egito, é um prenúncio das perseguições e ciladas de que Jesus será vítima. E com não ver a profecia de Simeão – sobre uma espada a atravessar a alma da Virgem Maria – cumprida aos pés da cruz?
Por outro lado, a ressurreição gloriosa de Cristo e a nossa reconciliação com Deus também estão presentes já nos inícios da vida de Jesus, por exemplo nos anjos que anunciam com alegria o nascimento do Salvador aos pastores e proclamam: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por ele amados”, como nós repetimos com júbilo em nossas celebrações.
Neste Natal, não sejamos como aqueles que fecharam suas portas ao menino Jesus. Façamos como os pobres pastores, como os grandes magos, como a multidão dos anjos, como os animais da terra e as estrelas do céu, e vamos ao encontro daquele menino envolto em faixas, sob os cuidados de seu pai e sua mãe. Contemplemos o presépio e recordemos todo o amor de Deus por nós, que o fez entregar em nossas mãos seu grande tesouro, o Seu Filho amado.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Jesus Cristo, o novo Moisés e o cordeiro imolado

Quando o povo de Israel, escravizado no Egito, clamou pelo Senhor, este enviou-lhes Moisés, para libertá-los e conduzi-los a uma terra onde corria leite e mel. Moisés poderia ser tratado como filho de uma filha do faraó. Mas preferiu ser maltratado com o seu povo, o povo hebreu. Considerou a humilhação do povo eleito de Deus uma riqueza maior que os tesouros passageiros do Egito, tinha os olhos fixos na recompensa (Hb 11, 24-27).
Moisés foi ao faraó, mas este, de coração endurecido, não os libertou, mesmo ante os prodígios de Deus (as conhecidas “pragas do Egito”). Até que Deus operou o maior dos prodígios, a maior das pragas, e assim o faraó decidiu libertar Israel. Deus iria matar todos os primogênitos do Egito, e assim mostrar seu poder e seu senhorio sobre todas as coisas. Para poupar os primogênitos de Israel, mandou, por Moisés, que cada família matasse um cordeiro (por que um cordeiro? Por que não um porco, por exemplo?) macho, sem defeito, na véspera da partida, na noite em que o anjo exterminador haveria de passar matando os primogênitos. Deveriam então marcar os marcos e a travessa das portas de suas casas com o sangue do cordeiro imolado, e assim o anjo “passaria” (Páscoa=passagem) sobre suas casas, poupando seus filhos. Deveriam comer a carne do cordeiro assada, às pressas, com pães ázimos e ervas amargas.
Assim fizeram. Grande clamor tomou conta do Egito, pois não havia casa onde não houvesse um morto. E o faraó mandou que os israelitas partissem. Moisés os conduziu pelo deserto. O coração do faraó muda, o Egito arrepende-se de deixar partir seus escravos e os persegue pelo deserto. O povo estava acampado junto ao Mar Vermelho. Vendo o exército egípcio no seu encalço, o povo de Israel murmura contra Moisés e contra Deus. Mas Deus manda que Moisés reanime o povo, para que espere e confie. Ele manda que Moisés estenda sua vara sobre o mar e o divida. O povo atravessa (passa=páscoa) então a pé enxuto pelo meio do mar, que formava duas muralhas. O anjo que ia à frente do povo pôs-se atrás, e Deus caminhava com eles, pela coluna de nuvem (dia) e de fogo (noite), entre eles e os egípcios. As rodas dos egípcios emperravam, e eles tentam voltar, fugindo. Mas acabam mortos, enquanto os israelitas atravessam todos salvos. E assim partem pelo deserto para a terra prometida, conduzidos por Moisés, que vai à sua frente. Chegando lá, depois de quarenta anos, tomam posse da terra, mas Moisés não entra, morre logo antes, e deixa o povo aos cuidados de Josué (Joshua), apelidado pelo povo de “novo Moisés”, que com a força daquele introduz Israel na terra prometida, que é ao mesmo tempo dom de Deus e conquista do povo.
Para comemorar a façanha, os israelitas deveriam então celebrar todo ano a festa da páscoa (=passagem), na qual rememorariam este prodígio que Deus fez em seu favor, libertando-os da escravidão do Egito e conduzindo-os à terra em que vivem com liberdade. Para melhor celebrar esta festa, o povo de Israel permanecia durante quarenta dias sem comer carne, fazendo jejuns e sacrifícios para lembrar as privações por que passaram seus pais no Egito e depois no deserto, e assim celebrar melhor a páscoa. Para isso, assavam também um cordeiro macho e sem defeito, e comiam com pães ázimos e ervas amargas, e com vinho, sinal da alegria da libertação.

Jesus celebrou esta festa também com seus apóstolos, mas assumiu todos estes sinais para si, mostrando que tudo isso era uma figura da libertação que ele haveria de trazer, e não apenas para seu povo, mas para toda a humanidade.
Vendo a humanidade sofrer as angústias da vida, sobretudo a morte, Deus envia, na plenitude dos tempos, e depois de preparar um povo escolhido para isso, o Seu Filho Único, Jesus (Joshua), o verdadeiro “Novo Moisés”, a fim de libertar o povo e conduzi-lo são e salvo. Mas não liberta simplesmente da escravidão para uma terra agradável; liberta da morte e conduz para a vida plena e verdadeira, para a vida eterna na Sua amizade. Este Jesus, como Novo Moisés, poderia ser tratado como o Filho do Pai, cheio de regalias, mas preferiu padecer as tribulações de seus irmãos (cf. Hb 2). Considerou a pobreza bem-aventurança maior.
Para libertar seu povo da morte e dar-lhes a vida, Jesus precisaria primeiro passar ele mesmo por este caminho; precisaria morrer e sair com vida “do outro lado”, ressuscitado. Ele precisava fazer primeiro a sua páscoa, sua passagem (cf. Jo 13, 1). Passaria na nossa frente, como Moisés com seu cajado à frente do povo. Na véspera então dessa passagem, Jesus institui o sacramento que perpetuará este seu sacrifício: trata-se justamente da ceia pascal judaica. E então Jesus, o Revelador (de Deus e do homem) e o Revelado, aquele que tem as chaves da vida e da morte, romperá os selos, desvendará os mistérios, transformará a figura em verdade, e dará sentido pleno e definitivo ao que a páscoa judaica prefigurava.
Jesus é, naquela ceia, o cordeiro enviado por Deus que se imola a si mesmo (“ninguém tira minha vida, eu a dou livremente”) e se dá como alimento aos homens. É o seu sangue em nossas portas (em nossas bocas) que afasta de nós o flagelo destruidor. Dá-se como cordeiro manso e humilde, ovelha muda nas mãos do algoz (Is 53). Além de ser o cordeiro, é também o pão ázimo, sem fermento, o grão de trigo que morre para produzir muito fruto (cf. Jo 12, 24) . E é também o vinho que alegra o coração, a sétima talha que faltava em Caná, o melhor vinho que Jesus guardou para o final. E Jesus é o Sumo Sacerdote que oferece o sacrifício. Mas o faz de uma vez por todas. E não como os sacerdotes antigos, que entravam no templo com sangue de outros animais, repetidamente. Ele faz o sacrifício uma única vez, mas é suficiente, porque definitivo, e tem condições de libertar toda a humanidade para sempre. E não entra no santuário feito por mãos humanas, cópia do verdadeiro (“maquete do céu”), mas no verdadeiro, isto é, no céu, como seu próprio sangue. Tudo isso, que Jesus fará no dia seguinte, está perpetuado sob sinais sacramentais na Última Ceia, na qual nos deixa sua herança, ou seja, ele mesmo.
Assim, Jesus é, a um só tempo, sacerdote (que faz o sacrifício), altar (no qual se dá o sacrifício, isto é, no seu próprio corpo) e vítima (do sacrifício).
No dia seguinte, então, faz sua passagem, celebra sua páscoa. Jesus, paramentado com seu próprio sangue, atravessa a morte, o Mar Vermelho. Jesus morre, em princípio parece que o povo não tomará posse das promessas. Mas logo ressurge de novo, assim como Josué surgiu após Moisés, e mostra que venceu a morte, que tudo correu como Ele previra, e que agora ele tem o domínio do caminho. Agora sabemos que, quando nos depararmos com este mar aberto e assustador, não precisamos temer, podemos entrar sem medo, pois Jesus caminha à nossa frente, como primeiro dentre os mortos, primogênito dentre os peregrinos para a vida após a morte. Seu bastão nos dá a segurança (Sl 22). Saindo do outro lado, teremos realizado de verdade a nossa páscoa, aquela que vivemos sacramentalmente, especialmente no batismo e na eucaristia.
O Mistério Pascal é a plenitude da Revelação. Nele Deus se dá a conhecer por completo. Nele conhecemos plentamente que somos. A morte de Cristo na cruz decifra nitidamente a grandeza do pecado do homem, o quanto estávamos afastados de Deus, de sua graça e verdade, e o que fomos capazes de fazer (o pior pecado da história) em consequência do pecado original. Esta mesma morte revela o quanto Deus foi capaz de fazer para nos resgatar e nos restabelecer na amizade com Ele, mesmo sendo nós tão indignos do seu amor. Deus fez-se homem, humilhou-se morreu numa cruz e experimentou a morte, o nível mais baixo no qual o homem caíra, para nos resgatar, como ovelhas perdidas, e nos pôr no seu colo novamente. A sua ressurreição mostra que Deus é o Deus da vida, dos vivos, e que é capaz de tirar o bem até do mal. E nesse caso o faz de maneira absolutamente incomparável: do maior de todos os males e pecados (a crucificação atroz do mais inocente dos homens) Deus tirou como consequência o maior de todos os bens: a salvação definitiva de todo o gênero humano.
Quem poderia conceber semelhante dinâmica da história senão Deus? Jesus revela, por sua páscoa, o mistério escondido até dos anjos desde o princípio dos tempos. Que sabedoria poderia elaborar semelhante plano? Quem ousaria imaginar que Deus pudesse amar a esse ponto? Quem seria capaz de ousar pedir a Deus o que Ele quis nos dar? Deu-nos muito mais do que sequer pensaríamos pedir-Lhe. Deu-nos tudo, deu-nos o Amor, deu-se a Si mesmo.