sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Celibato só por amor a Deus

É possível encontrar padres que, para defender o celibato eclesiástico, argumentam que até por motivos menores outras pessoas renunciam ao casamento. Por exemplo, para dedicar-se a uma carreira, seja militar, diplomática, ou qualquer outra. O raciocínio é simples: se para estas coisas é compreensível que um homem ou mulher abdiquem do casamento, de ter um esposo ou esposa e filhos, com muito maior razão alguém poderia renunciar ao casamento e aos filhos por amor ao Reino dos Céus, como é o caso dos sacerdotes, religiosos e religiosas.
Mas este argumento não é adequado; talvez não seja sequer válido. E certamente não pode ser invocado para defender o celibato eclesiástico. Este não precisa de outros argumentos racionais. Sua única razão e fundamento é, como disse o Senhor, “o amor ao Reino dos Céus”, e isto é mais do que suficiente. Eu, como Paulo, não me envergonho do Evangelho (cf. Rm 1). Para outros ele pode ser loucura ou escândalo. Não tentarei argumentar racionalmente com estes para demonstrar-lhes que não, que o Evangelho é razoável. De fato o é, mas que continuem pensando que é loucura e escândalo. Eu não me envergonho, repito, do Evangelho e não faço nenhuma questão de torná-lo mais palatável aos que o consideram loucura ou escândalo. O Evangelho nos interpela; que cada um trate de fazer o seu juízo e suas opções, e que ninguém tenha a pretensão de carregá-lo no bolso.
Invocar o exemplo de pessoas que tenham renunciado ao casamento por outras carreiras é impróprio, pode soar até ridículo. E sobretudo, não é cristão, não tem qualquer base na fé cristã. O amor incondicional só é devido a uma outra pessoa, nunca a uma instituição, por maior que seja, nem a uma nação, nem mesmo a um ideal, por mais nobre que seja.
Ou seja, existe apenas um motivo razoável para uma pessoa sadia renunciar ao casamento deliberadamente: por amor a Deus, “por amor ao Reino dos Céus”, como disse Jesus. Qualquer outro motivo é fora de propósito. Em outras palavras, quem renuncia ao casamento preferindo uma carreira qualquer escolhe mal, não sabe o que prefere. São palavras duras, mas é a verdade.
Quem renuncia ao matrimônio por amor ao Reino dos Céus escolhe a Deus, em primeiro lugar, e põe todo o resto em segundo plano. Não abandona o mundo, mas anuncia profeticamente a relatividade de todas as criaturas diante do Criador de todas elas. Escolhe uma pessoa, ou melhor, o próprio Deus, Uno e Trino, como grande amor de sua vida.
Pois bem, e quem casa? Quem casa diz não a Deus? Ao contrário, quem casa escolhe a Deus, assume um sacramento, um caminho de santidade ao lado de um companheiro ou companheira, vincula-se de maneira definitiva a uma outra pessoa, a quem servirá com amor, fidelidade e respeito para levá-la ao céu, junto com seus filhos. O matrimônio é sacramento de serviço, como o sacramento da ordem; é também uma bênção imensurável de Deus.
E aquele que não casa nem se consagra a Deus? Este escolheu o que? Ama de todo coração a quem? À filosofia, como Kant? A uma nação, a uma instituição qualquer? Quem faz este tipo de opção escolhe muito mal, e não pode servir de exemplo para ninguém, muito menos de argumento para a defesa do celibato eclesiástico. Por mais nobre que um ideal seja, não é digno do amor incondicional de uma pessoa. Só outra pessoa é digna deste amor.
Havia entre os antigos rabinos uma sentença que hoje provocaria escândalo e repulsa nas mais diversas frentes: “Um homem que não tenha sua mulher sequer pode ser chamado de homem”. Mesmo dentro da Igreja esta sentença seria rejeitada por muitos com vigor, para ressalvar o celibato eclesiástico de bispos, padres, religiosos e religiosas. Mas não é preciso. Esta frase, ouso dizer, não se contrapõe ao catolicismo, nem ao celibato. Basta compreendê-la no seu contexto de preparação evangélica. A sentença está no âmbito natural; mas então vem o sobrenatural, e dá-lhe nova dimensão. O sobrenatural, porém, não é contra a natureza. Ou seja, a sentença segue válida e verdadeira, desde que se lhe faça o acréscimo do Evangelho. Em outras palavras, bastaria dizer: “Um homem que não tenha sua mulher sequer pode ser chamado de homem, a não ser que tenha renunciado ao amor de uma mulher para consagrar-se ao Reino dos Céus, ou seja, por amor a Deus”.